UM MINI CONTO
Reencontro 1
No escuro do quarto, o silêncio era tão denso que parecia ter peso. A única luz vinha da tela do celular, onde as palavras de Rah se materializavam para Lua, a quilômetros de distância. Ela, professora universitária, passava as noites corrigindo trabalhos e trocando mensagens com um médico de plantão, um homem que ela só conhecia pela frieza das letras e a quentura das conversas que pareciam curar feridas que ela nem sabia que tinha. Mil e duzentos quilômetros. A distância era um fantasma que assombrava cada "eu te amo" digitado.
Decidiu que a distância se curaria com um beijo.
Comprou a passagem de avião, guardou na pequena mala a certeza de que não se arrependeria.
As horas singradas nos céus foram uma tortura doce, uma antecipação que enchia a garganta e fazia as mãos suarem. Chovia muito na cidade do encontro.
O primeiro encontro não teve a estranheza dos inícios. Foi um reencontro. Como se as almas já se conhecessem e os corpos estivessem apenas se atualizando. Rah a abraçou no meio do quarto do hotel, e Lua sentiu-se finalmente em casa. Não havia hesitação, não havia constrangimento. As mãos de Rah pareciam já conhecer cada curva do seu corpo, a boca dele, cada segredo.
No quarto, o mundo lá fora se desfez. Amaram-se com a fúria de quem recupera o tempo perdido, a paixão de quem se encontra pela primeira vez. Ele a olhou com os olhos marejados de uma emoção que parecia guardada há séculos.
— Quem é você? — perguntou ele, com voz rouca. — Como pode me conhecer tanto sem nunca ter me visto?
— Quem é você? —respondeu ela, beijando-o nas face. — Você, que me faz sentir que o mundo é só este quarto, só nós dois?
Eles riram. Falaram de suas profissões, de suas vidas que pareciam tão distantes, tão diversas, mas tão conectadas. Ele, o médico que salvava vidas; ela, a professora que moldava mentes.
Uma ligação os tirou do enlevo. Era o plantão, a realidade chamando. O tempo era escasso, mas o amor que sentiram não cabia em relógios. Amaram-se novamente, com a pressa, a potência e a intensidade de um furacão.
Rah se foi, sem prometer nada.
Lua ficou não sozinha no quarto, o cheiro dele ainda pairava no ar. A solidão não veio. Ela sentia a presença dele em cada lençol amassado, em cada travesseiro com o seu cheiro. Ele havia deixado ali um pedaço de si, uma promessa silenciosa, e ela sabia que ele havia levado muito dela, juntamento com a certeza de que a vida, afinal, era feita de encontros, mesmo quando eles parecem impossíveis.
Quando se despediram não houve lágrimas, mas uma promessa muda de que o reencontro não demoraria.
— Nunca mais faça isso com quem você não conhece — ela sussurrou,... a voz embargada.
— Nunca mais — ele respondeu, com um sorriso de quem sabia que as palavras eram apenas uma formalidade, pois eles já se conheciam, e o que havia entre eles era muito maior do que qualquer distância.
Eles se separaram, mas a sensação de estarem juntos permaneceu. O caminho de volta pareceu mais curto, a solidão, inexistente. Lua sabia que, a partir daquele momento, a vida seria feita de plantões dele e de aulas dela, mas também de uma espera, de uma certeza. A de que o encontro que havia curado a distância do passado continuaria a curar a distância do futuro, em cada mensagem de celular, em cada "eu te amo", em cada "estou com saudades". E que a pergunta, quem é você? já tinha sido respondida, com um no corpo dentro do outro. Eles eram um só, para além dos quilômetros, do tempo e das telas.