Wednesday, September 17, 2025

 

AS LÁGRIMAS FORAM A CHUVA SALGADA QUE
SULCARAM MEU CORAÇÃO
um juramento de amor,

um bilhete de passagem,
um voo sem destino certo.
no assento ao lado,
as mãos dele presas em outra mão.
nenhuma palavra,
apenas o chamado discreto:
“arranje outro lugar.”
ela foi para o fundo da aeronave,
onde o ruído escondia o penar.
e lá do céu
desceu uma chuva salgada,
feito lágrimas de dor
que o coração insistia em disfarçar.
 

 

 

Reencontro

No brilho frio de uma tela,
sussurros cruzavam distâncias,
mil e duzentos quilômetros
viraram só um sopro de esperança.

Lua, com livros e alunos,
Rah, de jaleco e plantões,
teciam entre mensagens
o mapa secreto das paixões.

O encontro não foi primeiro,
foi memória reencontrada,
corpos que já se sabiam
em pele jamais tocada.

Amaram-se como quem volta,
não como quem chega ao fim,
e na pressa de cada abraço
o tempo deixou de ter fim.

“Quem é você?” — perguntaram,
na vertigem do sentir,
mas cada olhar respondia:
“sou o que em ti já existia,
sou o teu eterno porvir.”

Despediu-se o médico do quarto,
a professora ficou com o cheiro.
Não havia vazio na ausência,
havia presença inteira, por inteiro.

E no silêncio do adeus,
palavras ditas com temor:
“Não faça isso de novo…”
Mas já era tarde:
o amor se fez reencontro,
e o reencontro se fez amor

Tuesday, September 16, 2025

UM MINI CONTO

 

Reencontro 1

No escuro do quarto, o silêncio era tão denso que parecia ter peso. A única luz vinha da tela do celular, onde as palavras de Rah se materializavam para Lua, a quilômetros de distância. Ela, professora universitária, passava as noites corrigindo trabalhos e trocando mensagens com um médico de plantão, um homem que ela só conhecia pela frieza das letras e a quentura das conversas que pareciam curar feridas que ela nem sabia que tinha. Mil e duzentos quilômetros. A distância era um fantasma que assombrava cada "eu te amo" digitado.

Decidiu que a distância se curaria com um beijo.

 Comprou a passagem de avião, guardou na pequena mala a certeza de que não se arrependeria.

 As horas singradas nos céus foram uma tortura doce, uma antecipação que enchia a garganta e fazia as mãos suarem. Chovia muito na cidade do encontro.

O primeiro encontro não teve a estranheza dos inícios. Foi um reencontro. Como se as almas já se conhecessem e os corpos estivessem apenas se atualizando. Rah a abraçou no meio do quarto do hotel, e Lua sentiu-se finalmente em casa. Não havia hesitação, não havia constrangimento. As mãos de Rah pareciam já conhecer cada curva do seu corpo, a boca dele, cada segredo.

No quarto, o mundo lá fora se desfez. Amaram-se com a fúria de quem recupera o tempo perdido, a paixão de quem se encontra pela primeira vez. Ele a olhou com os olhos marejados de uma emoção que parecia guardada há séculos.

— Quem é você? — perguntou ele, com voz rouca. — Como pode me conhecer tanto sem nunca ter me visto?

— Quem é você? —respondeu ela, beijando-o nas face. — Você, que me faz sentir que o mundo é só este quarto, só nós dois?

Eles riram. Falaram de suas profissões, de suas vidas que pareciam tão distantes, tão diversas, mas tão conectadas. Ele, o médico que salvava vidas; ela, a professora que moldava mentes.

Uma ligação os tirou do enlevo. Era o plantão, a realidade chamando. O tempo era escasso, mas o amor que sentiram não cabia em relógios. Amaram-se novamente, com a pressa, a potência e a intensidade de um furacão.

 Rah se foi, sem prometer nada.

Lua ficou não sozinha no quarto, o cheiro dele ainda pairava no ar.  A solidão não veio. Ela sentia a presença dele em cada lençol amassado, em cada travesseiro com o seu cheiro. Ele havia deixado ali um pedaço de si, uma promessa silenciosa, e ela sabia que ele havia levado muito dela, juntamento com a certeza de que a vida, afinal, era feita de encontros, mesmo quando eles parecem impossíveis.

Quando se despediram não houve lágrimas, mas uma promessa muda de que o reencontro não demoraria.

— Nunca mais faça isso com quem você não conhece — ela sussurrou,... a voz embargada.

— Nunca mais — ele respondeu, com um sorriso de quem sabia que as palavras eram apenas uma formalidade, pois eles já se conheciam, e o que havia entre eles era muito maior do que qualquer distância.

Eles se separaram, mas a sensação de estarem juntos permaneceu. O caminho de volta pareceu mais curto, a solidão, inexistente. Lua sabia que, a partir daquele momento, a vida seria feita de plantões dele e de aulas dela, mas também de uma espera, de uma certeza. A de que o encontro que havia curado a distância do passado continuaria a curar a distância do futuro, em cada mensagem de celular, em cada "eu te amo", em cada "estou com saudades". E que a pergunta, quem é você? já tinha sido respondida, com um no corpo dentro do outro. Eles eram um só, para além dos quilômetros, do tempo e das telas.




 

 Tríptico da Chuva Salgada

I
No voo do acaso,
um amor partiu em silêncio —
chuva salgada.

II
Mãos entrelaçadas,
o destino troca assentos —
chove no silêncio.

III
No céu aberto,
um amor cai como chuva,
sal na memória.